A mãe do Monstro - Parte Final
- Alexandre Menphis
- 1 de fev. de 2023
- 4 min de leitura
Atualizado: 15 de fev. de 2023

— Sua irmã foi uma delas. — Janice ouviu horrorizada e a mulher prosseguiu:
— Ela me implorou que não a entregasse para meu filho. Confesso para você, minha cara, que fiquei feliz quando o meu Arnaldo deu um jeito nela. — Uma lágrima desceu pelo rosto amordaçado de Janice. — Sua irmã era uma chata de nariz empinado. Acredita que tentei contar-lhe minha história, mas ela não quis ouvir? Só chorava e pedia para que eu a soltasse! Menina mimada e mal-educada, mas teve o que mereceu!
Nesse instante, Janice conseguiu se soltar e, louca de ódio, pulou na garganta da mulher, se atracando com ela. Uma voz se ouviu do outro lado da porta:
— Mamãe, a senhora está bem? Tenho fome, mamãe!
Nazaré tentou responder, mas Janice a havia dominado. Pegando uma faca, encostou-a no pescoço da anciã, que cansada, parecia sem forças.
— Diga para ele que você está terminando e que daqui a pouco abre a porta — cochichou no ouvido da mulher, que sem alternativa, obedeceu.
— Não pense em fazer besteiras — murmurou Nazaré, sentindo a ponta da faca espetando a garganta. — Meu filho me reconhece apenas pela minha voz e meu cheiro. Você só sairá desta casa se tiver minha ajuda.
— Obrigada, velha, por me dizer o que fazer. — A mulher olhou sem entender. Janice deu-lhe um empurrão. A anciã, batendo a cabeça contra a parede, perdeu momentaneamente os sentidos.
Janice amarrou e amordaçou a anciã e em seguida, despejou sobre a infeliz a sopa dantesca que havia no caldeirão. Nazaré acordou assustada.
“Duvido que ele reconheça o seu cheiro, velha assassina, agora que está lambuzada com essa sopa asquerosa. ” Pensou satisfeita.
Aos empurrões, Janice seguiu com Nazaré em direção à porta. A mulher tentava resistir, mas enfraquecida, não conseguia. Abrindo parcialmente a porta, a jovem empurrou a anciã. Ouviu então um rosnado assustador que gelou todo o seu corpo.
II
Janice, encostada na porta que acabara de fechar, sentia o suor descer-lhe pela fronte. O barulho animalesco a havia despertado do horrível frenesi ao qual se vira mergulhada. Passando a mão pela testa, deu-se conta, horrorizada, da atitude que tivera, porém, agora era tarde, pelo menos para a anciã.
Vasculhando as tralhas da velha, encontrou um facão. Mergulhou a lâmina na brasa acesa do fogão e aguardou. Logo, um vermelho incandescente tomou conta do metal. Abrindo devagar a porta, deu de frente com uma cena horrenda. O monstro, agachado, de costas para ela, devorava o corpo de sua mãe. Buscando forças onde pensava não haver, enfiou o facão na nuca da criatura. A lâmina penetrou fundo, enquanto um grito horrível escapou da boca da fera. O monstro, se erguendo, tentou avançar em direção da jovem, mas após um passo dado em falso, despencou ao solo. De sua nuca, o sangue vertia espesso, empapando suas costas cabeludas.
Enojada, Janice correu para dentro do casebre à procura do vasilhame. Precisava levar a água para seu carro e sumir de uma vez por todas daquele horrível local.
Quando estava saindo, seu pé esbarrou em algo caído em meio aos restos da sopa hedionda que despejara sobre a velha. Suas pernas amoleceram e ela encostou-se à mesa para não cair. Era uma mão humana, em cujo dedo brilhava um anel conhecido. Janice o havia presenteado à irmã, na ocasião do seu aniversário.
Aos prantos, correu para fora, dando de frente com um sinistro rosto iluminado pelo claro da lua, próximo ao corpo estendido do monstro. Era a cabeça de Nazaré, sobressaindo-se a uma poça de restos estraçalhados de carne. Seus olhos pareciam fixos nela, como se estivessem horrivelmente vivos.
— Maldita! — A voz soou carregada de um ódio incontido, enquanto a cabeça rolava no ar após o chute que a jovem lhe dera.
Uma gargalhada repercutindo no breu da noite fez o corpo de Janice se arrepiar. Uivos e grunhidos surgiam de toda parte. Gritou transtornada de medo. Passos e barulho de mato sendo quebrado a perseguiam, acompanhados de tenebrosas gargalhadas. Para seu alívio, avistou enfim seu automóvel, nele entrando e ficando quieta. Lá longe, no horizonte, tênues riscos amarelados no céu indicavam que começava a amanhecer.
FIM
Sobre este conto
A primeira versão de A Mãe do Monstro surgiu no final da década de 80, no período da escola e seu primeiro nome foi Uma Porta Aberta, em alusão ao momento que Janice abre a porta entregando Nazaré à fúria animalesca de seu filho Arnaldo, a fazendo pagar por todos seus crimes, inclusive o assassinato de sua irmã.
Durante uma gincana literária e esportiva em Taboão da Serra, na qual participava, inscrevi dois conto meus, Uma Porta Aberta e outro tipo, uma fábula, A tartaruga e a vassoura, se não engano, pois esse texto se perdeu. Como era permitido inscrever apenas um conto, fiz a inscrição da fábula em nome de uma amiga da mesma classe. O resultado foi que a fábula ficou em primeiro lugar e Uma Porta aberta em segundo, medalhas de ouro e prata respectivamente. Esse resultado foi um grande incentivo para que despertasse em mim, o desejo de escrever e embora tenha passado muitos anos até que eu me assumisse oficialmente como escritor, sou imensamente grato a esses pequenos passos. Uma porta aberta, hoje A Mãe do Monstro, faz parte do meu livro Contos Sinistros, publicado pela Editora Biblioteca 24 Horas e tenho por ele um carinho muito especial.
Espero que gostem, assim como um dia apreciei escrevê-lo.
Abraço fraternos.
Alexandre Menphis
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