No Castelo de Drácula
- Alexandre Menphis
- 26 de jun. de 2023
- 10 min de leitura
Atualizado: 7 de out. de 2023
Um Conto do escritor Alexandre Menphis

Entardecia, quando entre os inclementes picos dos Cárpatos avistei uma das torres negras do funesto castelo. Senti um profundo pesar, um misto de dor e desesperança, tomar-me o peito. Talvez ali, em algum lugar daquela malfadada edificação, estivesse trancafiada Ecaterina, o grande amor de minha vida! Minha adorada e doce Ecaterina, dos olhos cor de mar e detentora de minha felicidade.
Segurando firme as rédeas do corcel, que alarmado havia se inquietado, apeei. Precisava conciliar as ideias. Heliogábalo, me observava apreensivo, agitando suas crinas longas e ainda mais negras que sua pele aveludada.
— Acalma-te, leal companheiro de viagem, nossa jornada aproxima-se de seu término. Queira Deus, em sua divina complacência, que possamos retornar de nosso destino com vidas.
Risquei no chão árido um pentagrama, o qual fora me ensinado por uma velha sábia, no formato de uma estrela de cinco pontas. Depositei em seu centro uma pequena cruz de alabastro e ajoelhando-me orei com fervor.
Minhas preces, no entanto, eram assaltadas pela lembrança de minha amada que havia algumas noites surgido em meus sonhos. A tez extremamente pálida, na qual os olhos me fitavam acinzentados e tristes.
“ Guilherme… oh, meu amado, vinde e liberta-me de meu amargo claustro. Somente ti, podes salvar-me a alma da nefanda ignomínia em que me encontro atascada. ”
Acordei aturdido. Divisara em meu sonho que minha amada se encontrava enclausurada em uma torre observando a noite por entre as grades de ferro de uma pequena janela em forma de seta.
Deixei Bucareste, na qual servia no regimento militar como primeiro-tenente, me afastando em licença emergencial e segui para a região da Transilvânia. A pequena aldeia de Barasu sofria o desaparecimento de minha amada Ecaterina, jovem professora, querida por todos.
Os sábios anciões mencionavam a visita de um ente maligno. Naquela semana, os animais adoeceram ou ficaram por demais agitados. O leite azedara, as aves morreram. Duas cabras de leite foram encontradas com as gargantas estraçalhadas. Algumas jovens foram assombradas por horrendos pesadelos em que uma sombra furtiva rondava os becos e as valas aguardando, na noite fria, a passagem de algum incauto.
Os velhos mencionavam com as línguas entre os dentes: Nosferatu! Os demais faziam o sinal da cruz. Ninguém deixava sua casa quando o sol se escondia no horizonte.
Mencionei meus sonhos e a velha Constanta aconselhou-me que esquecesse minha amada. Estanquei pasmo perante tal disparate. Com a voz rouca e terna, a anciã alertou-me:
— Esquece tal empreitada, meu valoroso oficial, pois nada salvará a sua amada! Sofro ao dizer-lhe isso, pois nossa pequena Catrinel se encontra aprisionada no castelo do Conde Drácula. Um de seus demônios a raptou quando a noite ia mais escura. Para ela não existe mais esperança.
Ouvi alarmado, e respondi que jamais deixaria minha amada à mercê de destino tão sombrio. Temia e respeitava o saber dos antigos, mas acreditava na força do aço. Partiria naquela noite, levando minhas armas, dois punhais, uma espada e duas pistolas.
Constanta esboçou um sorriso e tocando em meu braço solicitou que deixasse para sair com o nascer do sol. Que suas preces me acompanhariam. Deu-me três rosários e três pequenos crucifixos, um de alabastro, outro de madeira e o terceiro de prata. Segui seu conselho. Nunca uma noite me parecera tão longa.
Com o nascer do dia, uma carruagem levou-me até o Passo do Borgo, de lá segui com meu inseparável Heliogábalo. Não carecia de arriscar a vida de nenhum aldeão.

Quando adentramos a um imenso pátio que acercava o castelo após atravessarmos uma série de arcos arredondados, os raios remanescentes do sol perdiam-se engolfados pelas sombras do crepúsculo e uma sensação de pesar tomou-me o coração de assalto.
Uma imensa porta de ferro surgia à nossa frente. Não encontrei aldrava ou qualquer outro tipo de campainha.
Preparava-me para bater, quando ouvi o ranger de uma chave deslizando na fechadura. Um calafrio percorreu meu corpo. A velha porta se abriu e uma anciã de semblante carrancudo fitou me interrogativa com um único olho aberto. Mechas de cabelos grisalhos e desalinhados escapavam pelas dobras de um lenço gasto que ornava sua cabeça.
_ Saudações, minha senhora, eu procuro…
_ O mestre o atenderá, viajante, queira entrar e aguardar no átrio.
— Mas…
— Qualquer visitante que venha a este castelo é sempre muito bem recebido, viajante, essas são as ordens de nosso mestre.
A anciã, envolta num velho xale de lã e portando um lampião, deu sinal para que eu entrasse. Permaneci por alguns minutos estático, parecia que minhas pernas se recusavam a adentrar aquele sinistro ambiente. As chamas da lâmpada na mão da senhora projetavam sinistras sombras nas paredes daquele que parecia um imenso mausoléu. A velha senhora, parecendo perceber meus receios, disse com um meio riso desenhado nos lábios:
— Entre por sua vontade e deixe aqui um pouco da felicidade que traz!
Deixei Heliogábalo devidamente amarrado e adentrei o castelo, pensei em Ecaterina e a imagem de minha amada pareceu fortalecer minha coragem.
Do alto de uma imensa escadaria avistei um senhor de pé a fitar me. Era magro e muito alto, sem barba e com um comprido bigode branco, vestido de preto dos pés à cabeça.
— Seja bem-vindo à minha casa! Entre por sua livre e espontânea vontade! Sou Drácula.
A anciã recurvou-se ligeiramente. Senti como se um frio emanasse daquela portentosa figura. Meio relutante respondi:
— Muito obrigado, meu senhor, sou o tenente Guilherme Finsterbach.
— Finsterbach? — comentou admirado o conde trocando olhares com a serva. — Sinta-se à vontade em minha casa, Sr.Finsterbach.
— Não aspiro abusar de sua hospitalidade, Sr. Drácula. Uma necessidade de natureza emergencial me trouxe às portas de seu castelo.
— O que tenha trazido até minha casa, Sr. Finsterbach, poderá esperar. Está frio e o senhor carece de descansar. Marva, providencie tudo para que nosso hóspede se sinta bem instalado.
A anciã balançou positivamente a cabeça e com um gesto solicitou que a seguisse. Após um longo corredor adentramos uma sala aconchegante com lareira, uma imensa mesa com estofados bordados com brasões. De lá, por outro corredor, adentramos a um luxuoso aposento com cama e tina de banho.
Permaneci por alguns momentos pensativo. A anciã retornou com água para um banho quente e dispôs de confortáveis trajes de descanso. Recebi apreensivo aquele tratamento. Tudo era o oposto do que ouvira na aldeia. Como estava fatigado com a longa jornada, após o banho, adormeci com a cabeça recostada nos travesseiros de penas. Acordei em sobressalto, sentindo uma mão feminina sobre minha testa. Seria minha amada Ecaterina? Não, não havia ninguém! Um vento frio penetrava pela janela balançando as cortinas e ameaçando apagar as chamas do candelabro.
Ao fechar a janela avistei uma figura em vestes esvoaçantes percorrendo uma das ameias da fortaleza. O luar tornava evidente a figura, as madeixas ruivas balançavam.
“Ecaterina! Deus seja louvado! Seria ela?”
Ouvi o ranger da porta e voltando-me dei de cara com a velha Marva.
— O mestre o espera. A ceia foi servida.
Voltei-me à janela, nem sinal de minha amada ou de quem fosse.
— Acautela-te, meu senhor, os fantasmas são uma constante nesse antigo castelo.
Ouvi pasmo, evitando emitir alguma opinião. Marva me conduziu à sala de jantar. O fogo crepitava aconchegante na lareira.
— Sr.Finsterbach.
— Conde Drácula.
A minha frente o nobre senhor me parecera ainda mais sinistro. A pele extremamente pálida contrastava com os cabelos negros feito as asas de um corvo. Apontou-me com seus dedos magros, com unhas amareladas e extremamente longas, para que me sentasse.
— Marva preparou um jantar. Espero que esteja a seu gosto. Perdoe-me por não o acompanhar, pois nunca ceio.
Sentei-me um pouco desconcertado, aguardando o momento oportuno.
A um gesto do conde, a serva deixou-nos a sós.
— Senhor conde, agradeço pela recepção, mas falta-me o apetite.
— Sr. Finsterbach, agora podemos conversar sobre o que o perturba e que acredito ser o motivo de sua vinda à minha casa.
— Procuro por uma donzela, na verdade, minha noiva e desconfio que por algum mal-entendido tenha sido trazida a este castelo.
— Uma donzela? — Tocou ligeiramente um pequeno sino de ouro que jazia sobre a mesa e a velha serva prontamente apareceu. — Marva, nosso hóspede pergunta por uma donzela — e voltando a mim — qual o nome dela, meu rapaz?
— Ecaterina, senhor. Ecaterina Vasilache.
— Alguma donzela esteve aqui recentemente?
— Não, mestre. A última camponesa que esteve aqui foi Aurélia, que trabalhou sob meus cuidados. Mas isso já faz mais de cinco anos. A coitadinha morreu quando caiu no fosso. — A mulher nesse momento voltou-se para mim, encarando-me com o único olho — era um pouco desajeitada a pobrezinha.
Senti que sua fala soara irônica, me causando asco. O conde a repreendeu impaciente:
— Não carece que nos conte essas coisas, Marva, agora retorne à cozinha.
A mulher assentiu com a cabeça e antes que saísse, deixei um suspiro de espanto escapar de minha boca. Próximo à lareira, entre outros quadros, contemplei estarrecido o rosto de minha amada emoldurado em uma tela a óleo. Deixei a mesa, quase derrubando a pesada cadeira de espaldar acolchoado com as insígnias do castelo.
— Madame Moldovan? — deixou escapar a serva.
— Saia, Marva! — Ouvi a voz do conde que se aproximara de mim. Marva deixou finalmente o recinto e ele prosseguiu:
— Esta, meu jovem, foi uma criatura muito benquista em minha juventude. Seu nome, Condessa Lorena Moldovan. Uma de minhas paixões do passado. Mas ela me abandonou, trocando-me por um rico mercador.
Observei incrédulo. Aquela mulher era a cópia perfeita de Ecaterina, Se a moldura e o aspecto da pintura não me aparecessem tão antigos, juraria que o modelo para magistral obra de arte teria sido ela. Suspirei desanimado, O que estava acontecendo? Senti a mão fria e ossuda de Drácula pousar sobre meu ombro.
— Sossega teu coração, meu rapaz. Sua noiva não está aqui. Agora tome um pouco de vinho. Amanhã seguirá seu caminho.
— Como sossegar meu coração se imagino que minha amada pode estar morta? Minha última esperança era encontrá-la aqui.
— Há coisas piores do que a morte, Sr.Finsterbach. — Senti um frio invadir meus ossos. — Nunca se esqueça disto.
Aquela não fora uma noite comum. Fui acometido de pesadelos assombrosos. Parecia que olhos me vigiavam na penumbra. Mal havia tocado na comida e do vinho ofertado por meu cicerone, mal provara, apenas por educação, pois o conde insistira.
Antes de me deitar segui os ensinamentos da velha Constanta. Pendurei um rosário na cabeceira da cama, outro no pescoço e o terceiro havia deixado na sela de Heliogábalo. Coloquei um crucifixo no batente da janela e outro embaixo do travesseiro.
Acordei de madrugada sentindo um ar gélido tomar meus aposentos e levantei imaginando que a janela estivesse aberta. Não estava. Algo pareceu atrair-me a olhar a noite pelas frestas e o que vi deixou-me estarrecido, Drácula descia pelas paredes externas do castelo arrastando-se feito uma aranha. Adentrando a janela de uma das torres desapareceu do meu campo de visão. Aquilo foi apavorante. Os anciões estavam certos quando diziam que o senhor do castelo não era humano.
Sentei pensativo procurando a água de uma jarra e sorvi longos goles.
O frio pareceu aumentar. Percebi estarrecido uma névoa esverdeada surgir pelas frestas da porta e lentamente assumir uma forma humana. Uma mulher de cabelos negros e olhos viperinos. Dei um pulo para trás procurando instintivamente o crucifixo que deixara embaixo do travesseiro.
— Em nome de Deus, o que é você?
— Acalme-se meu querido, sou Lavínia, sua criada. — riu e percebi em sua boca de um vermelho tinto, dentes pontiagudos.
— Estou aqui para lhe dar os maiores prazeres…
Não deixei a demoníaca criatura terminar a frase e apontei para ela a cruz. A mulher vampiro recuou assustada. Nesse momento bati com toda a força a cruz de prata na testa da criatura. Ela emitiu um grito. Recuei assustado. A cruz ficara colada na testa da maldita.
— Oh, homem cruel, liberta-me. Estou queimando.
A vampira não podia tocar na cruz que permanecia grudada em sua testa chiando feito água em ferro incandescente.
— Diga-me onde está minha Ecaterina, criatura, então eu a libertarei.
— Sua amada se encontra nas masmorras deste castelo, mas não fique esperançoso. Ela rejeitou nosso mestre pela segunda vez e agora está morta.
— Morta? — Senti a cabeça girar.
— Então cheguei tarde demais! Ela me apareceu em meus sonhos, mas não consegui salvá-la.
A vampira a minha frente sufocava. Num impulso arranquei a cruz de sua testa. Ela rolou ao chão com a mão sobre o ferimento.
— Mas que história é essa dela haver rejeitado seu mestre duas vezes?
A vampira olhou para mim com desdém e cuspiu em minha direção. Seu corpo começou a se desfazer, suas pernas começaram a virar névoa. Mirei seu peito e atirei nesse momento um dos punhais que trouxera comigo. Foi certeiro no coração. Um grito ecoou e o corpo da criatura se desfez numa pequena explosão. Ouvi passos atrás da porta. Abri rápido. Era Marva. A mulher quis correr, mas agarrei-a pelos cabelos e rolamos no piso de pedra. A anciã se mostrou extremamente forte, mas percebi que ao contrário da outra ela não era uma vampira. Cansada, a mulher deixou de espernear. Encostei então um punhal em sua garganta e a ameacei:
— Agora a senhora vai me contar tudo o que sabe sobre minha noiva.
Marva então colaborou. A cada palavra, uma dor atingia meu coração. Ecaterina fora em uma vida passada, havia pelo menos quinhentos anos, a luxuriosa Condessa Lorena Moldovan. De reputação duvidosa, flertava com muitos na alta sociedade. O jovem Drácula por ela se apaixonou, mas a mulher o trocou por um rico mercador veneziano de nome Augusto Finsterbach.
Ouvi estarrecido, certamente seria um antepassado meu.
— E Ecaterina? — perguntei.
— Há três dias ela dorme no porão.
— Como?
— Amanhã, quando a noite do terceiro dia surgir, ela renascerá, não como mulher, mas uma morta-viva. Uma noiva nosferatu!
Desesperei-me. A mulher então me aconselhou:
— Você nada pode fazer. Aguarde o amanhecer e vã embora! Não desafia o mestre. Quando ele souber que mataste Lavínia, ficará furioso.
Voltei para meus aposentos. Estava seguro lá. Nada mais havia a ser feito. Voltei-me à janela, raios alaranjados indicavam a chegada do amanhecer.

Pela posição do sol, já passa do meio do dia.
— Apressa os passos, meu leal Heliogábalo, pois antes do anoitecer precisamos estar de volta, de preferência na segurança da casa de Constanta.
Enganei Marva e quando Drácula despertar sua ira será terrível. Ele aguarda ansioso o despertar de Ecaterina, algo que jamais acontecerá. Antes de deixar o malfadado castelo, localizei o corpo de minha amada nas masmorras. Sei que Deus guiou os meus passos e minha mão quando ceifei com minha lâmina a sua delicada cabeça de cabelos rubros e anelados. Minha bela e doce Ecaterina, descanse em paz!
Fim
Este conto foi publicado originalmente na antologia Os hóspedes de Drácula pela Editora Cartola.

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