top of page

A Mãe do Monstro - parte 1

"Um casebre na floresta;

uma jovem aflita à mercê de uma horrenda criatura

e sua cúmplice, a mãe do monstro."






Janice despertou assustada, havia sonhado outra vez com Helga, a irmã desaparecida. Com uma dobra do lençol, enxugou o rosto. Gotas de suor insistiam em descer por sua pálida fronte, encharcando parte de seus cabelos louros. Procurando por uma garrafa com água que deixara próxima à cama, sorveu longos goles. O relógio indicava cinco horas e quinze minutos. Não compensava mais dormir. Meia hora depois, já se encontrava de volta à estrada, deixando a modesta pousada para trás. Optara por fazer o desjejum quando chegasse à pequena cidade de Socó, de onde recebera as últimas notícias da irmã. No entanto, após quarenta minutos pela rodovia quase deserta, o destino se encarregara de mudar os seus planos, obrigando a jovem a procurar o acostamento. O radiador de seu automóvel havia fervido.

Procurando por um recipiente que costumava trazer com água, constatou — para seu dissabor — que se esquecera de abastecê-lo. Aguardou atenta por ajuda, mas um carro que passara por ela sequer tomara conhecimento. Depois, mais um e em seguida, outro. Ninguém se prontificava a parar naquele local. Decidida, deixando o veículo fechado, subiu uma pequena elevação próxima e de lá avistou, no meio do mato, o telhado de um casebre. Esperançosa, seguiu em sua direção.

Era uma casa de pau a pique que parecia haver saído de outra época. Seu telhado era de sapé e uma pequena cerca a protegia do mato espesso que a rodeava. Imaginou aquele local tragado pela escuridão da noite e um arrepio percorreu seu corpo. Quando ia bater na porta, uma voz rouca se fez ouvir:

— Está aberta, apenas encostada, empurre e entre!

Janice sentiu o coração estremecer e uma hesitação apoderou-se de seu corpo. Entrando, deu de frente com uma senhora idosa de rosto rechonchudo e cabelos grisalhos, presos no alto da cabeça em forma de um coque mal produzido. A mulher, enxugando as mãos no avental desbotado e percebendo o semblante receoso da jovem, foi logo dizendo:

— Minha filha, não tenha receio desta velha rabugenta que vive só, neste final de mundo, distante de tudo e de todos.

— Senhora, por favor, me desculpe. Meu nome é Janice e estou precisando…

— De um pouco de água, acredito.

A jovem se espantou e a anciã concluiu sorrindo:

— Percebi por causa deste galão que carrega…

— Ah! Sim. É claro. — Olhou sem graça para o recipiente. Por um instante se sentiu confusa. A pobre mulher à sua frente, que lhe parecera à primeira vista uma bruxa oriunda de alguma história fantasiosa, era apenas uma ermitoa qualquer. Seus nervos andavam mesmo acelerados, pensou sorrindo.

— Acho que ainda não tomou o seu café, o que muito me alegra, pois careço de companhia. Acabei de assar um bolo de milho. — Quando a anciã abriu a caçarola envolta por um pano colorido, o cheiro se desprendeu com o vapor.

— Sente-se que já vou passar um cafezinho.

— Muito obrigada, senhora, não precisa se preocupar.

— Nazaré, Maria Nazaré, a seu dispor — respondeu enquanto despejava a água fervente no coador. O cheiro do café se espalhou convidativamente e Janice, puxando uma cadeira, acomodou-se. Era uma casa simples, mas limpa e aconchegante.

— Obrigada, dona Nazaré. Meu carro ficou parado na rodovia e ninguém se ofereceu para me ajudar.

— Este lugar é mesmo mal-afamado, minha filha, e as pessoas muito medrosas.

— Como assim? — preocupou-se Janice.

— Bobagem! Coisa de gente do interior que vê bicho e fantasma em toda parte. Vivo há muito tempo sozinha nesses ermos e não tenho medo de nada — prosseguiu a anciã, enquanto despejava o café na xícara e oferecia à jovem.

— Minha irmã, Helga, esteve mês passado por essa região e não voltou. Depois disso comecei a sonhar com ela me pedindo ajuda. Não sei se a senhora acredita nessas coisas. Veja a foto dela. — A anciã, olhou de relance.

— Coma do bolo, minha querida. Primeiro é necessário cuidar da barriga! Minha finada avó, que Deus a tenha, sempre dizia que saco vazio não se sustenta de pé.

— Verdade, senhora. — Janice, um pouco sem jeito, guardou a foto. A senhora Nazaré tinha razão, ela devia se alimentar. Precisava estar bem quando reencontrasse a irmã.

— Coma, querida, também fiz cuscuz, é bom com manteiga!

Tudo estava realmente bom e Janice se fartou como há muito não fazia. A conversa da anciã era envolvente e animada. Todavia, após o término do café e quando se preparava para sair, Janice, passando a mão pela testa, sentiu a cabeça girar e as vistas se escurecerem.

— Que estranho, me sinto tonta!

— É melhor que se deite um pouco.

— Não senhora, eu preciso ir.

Nazaré acomodou Janice em uma velha poltrona. Ela ainda tentou se erguer, mas o mundo à sua volta subitamente se apagou. Ao despertar, percebera-se deitada em uma cama.

— Ah! Finalmente acordaste, criança.

— O que significa isso? — As mãos de Janice estavam amarradas com uma corda. Ela tentou levantar-se, mas a cabeça voltou a rodar.

— Procure se acalmar, minha menina. Tudo ficará bem. Agora, enquanto se recupera, escuta o que tenho para lhe contar. Antes, deixe-me fechar esta janela porque costuma esfriar por aqui quando escurece.

A jovem olhou assustada, já havia anoitecido e o brilho da lua cheia incidia diretamente pelos vãos da velha janela de madeira. Começou a gritar, mas a mulher lhe amordaçou a boca com uma tira de pano.

— Isso é para o seu bem, para protegê-la dos perigos que rondam lá fora. Tenho uma história que preciso lhe contar. Sabe, minha criança, estou feliz que esteja comigo esta noite. Às vezes me sinto muito só. Meu filho não tem paciência, nem tempo para ficar comigo. Está ouvindo?

Um uivo nesse instante ecoou próximo da casa, fazendo o sangue de Janice gelar.

— É ele! Às vezes some por alguns dias, mas quando a lua está cheia como hoje, geralmente retorna e sempre faminto. Ah! Esses filhos! O que não fazemos por eles? Esqueci de perguntar se tem filhos, mas pela sua cara, acredito que não. — Janice estava apavorada. — Melhor assim, querida.

Pegando uma xícara com café, Nazaré sentou-se de frente à Janice. Após alguns goles, durante os quais seu olhar compenetrado parecia mergulhado em sombrias recordações, a mulher, pigarreando, deu início ao seu inusitado relato:

— Foi há muito tempo, quando eu ainda era moça e bonita, assim como você. Era uma noite de lua cheia. Tínhamos ido, eu e meu pai, para a casa dos meus avós. No caminho, meu pai de repente inquietou-se e, fazendo sinal para que eu me calasse, começou a acelerar os passos. Morta de medo, percebi que alguma coisa nos seguia no escuro da noite. Com o claro da lua, fui a primeira a avistá-lo. Era horrível, peludo, com orelhas imensas e olhos cor de fogo. Saiu de trás de uma árvore e pulando em cima do papai, começou a rasgá-lo. Corri apavorada, mas a coisa veio atrás de mim e, me jogando ao chão, rasgou minha roupa e fez o que queria comigo. Perdi os sentidos. No outro dia, acordei toda machucada e corri para a casa dos meus avós. Vovó estava morta com a garganta rasgada e meu avô desaparecido. Voltei para casa e passei a morar sozinha. Depois de um tempo, tive um menino. Ele nasceu peludo e com os olhinhos fechados, que nem um cachorro. Numa certa noite, o monstro retornou e eu fiquei apavorada, escutando seus passos, rodeando a casa. Sabia que tinha que fazer alguma coisa. Coloquei uma panela com banha pra esquentar, escondi o bercinho do meu filho em cima do jirau, fiquei nua e abri a porta para ele entrar. Depois que o bicho se aproximou e fez as coisas comigo, ele se acalmou e começou a dormir. Mais uma vez eu estava toda machucada. Deixei o monstro dormindo e fui ver a panela; a banha pulava de quente, estava decidida a dar fim naquela criatura. Da cozinha escutava ele roncando. Quando retornei, me assustei com o que vi. Não era mais o corpo do monstro que estava deitado, mas o do meu avô! Era vovô que virava o lobisomem! Louca de ódio, despejei a banha quente na cara dele. O maldito gritou, esperneando de dor. Os gritos acordaram meu bebê, escutei o chorinho dele assustado com aquela gritaria. Precisava silenciar o meu avô, que continuava gritando e gemendo alto. Pegando o facão, enfiei de uma vez na garganta dele. Quando o danado parou de se mexer, acabei de cortar o pescoço e arranquei a sua cabeça. Estava com muito ódio. Quando mais calma e com fome, resolvi cozinhá-la. Ah! Pela primeira vez comi carne de gente, e como era bom! — Janice ouvia horrorizada, tentando aos poucos se soltar das amarras.

— Hoje, penso que talvez tenha sido o contato com o monstro que tenha despertado em mim esse estranho desejo por carne humana… sabe, minha filha, aquelas coisas que ele andou fazendo comigo… No entanto, isso agora não importa. — A anciã fez uma pausa, prosseguindo em seguida: — O tempo foi passando e percebi que meu filho havia puxado o pai, na verdade, seu bisavô. No começo, toda noite de lua cheia, o danadinho corria pelo quintal, matava e chupava o sangue das galinhas, dos gatos e dos cachorros. Quando grande, quis coisas maiores. Comecei a ajudar meu filho querido, atraindo moças bonitas para cá. Arnaldo chupava o sangue delas e comia algumas de suas partes, geralmente os seios. O resto, aprendi como aproveitar, às vezes fazendo uma sopa, noutras um cozido com arroz. Veja que maravilhoso, que cheiro bom! — Em um caldeirão enegrecido, a mulher mexeu com uma colher de madeira em um sinistro ensopado. Janice percebeu quando uma mão inteira se tornou visível, assim como um pé humano mergulhado no caldo escuro e temperado. — Sua irmã foi uma delas. — Janice ouviu horrorizada e a mulher prosseguiu:


Continua.







 
 
 

ความคิดเห็น

ได้รับ 0 เต็ม 5 ดาว
ยังไม่มีการให้คะแนน

ให้คะแนน
bottom of page