A Dança dos Esqueletos
- Alexandre Menphis
- 31 de out. de 2022
- 5 min de leitura
Atualizado: 31 de jul.
Um conto de Halloween.
“A noite é cheia de horrores;
Sombria, a madrugada.
Almas perambulam viventes
na escuridão enevoada.
É no bailar incongruente
de ossos, terras e flores
que se tornam vigentes
os seus maiores temores.”
(Alexandre Menphis)

O pio estridente de uma ave noturna, cortando o silêncio da noite, disparou meu coração. Instintivamente, cruzei os braços, sentindo o corpo arrepiar, o ar gélido parecia penetrar cada fibra do meu ser.
O relógio indicava sete minutos para a meia-noite. Apressei os passos, voltando a recriminar minhas recentes decisões. A primeira dizia respeito ao fato de haver viajado naquela noite fria, ignorando os conselhos de tia Selma para que pernoitasse em sua aconchegante residência. A segunda devia-se à minha incorrigível falta de paciência. O carro dera pane na estrada. O local era totalmente deserto, mato de todos os lados, quando resolvi mexer no motor, pois não entendo praticamente nada de mecânica. Percebi à minha esquerda, por trás das frondosas árvores, o telhado de um casarão com chaminés. Um caminho surgia por entre algumas árvores, o chão estava roçado. Imprudente, decidi segui-lo.
Andei por um bom tempo. Cada vez que conseguia vislumbrar o telhado com chaminés, eles pareciam mais distantes. Já ponderava retornar quando estanquei o passo, aturdido. À minha frente, destampava-se uma clareira e os raios amarelados do luar iluminaram nesse instante o que para mim se descortinaria como o quadro de uma cena de horror.
Uma fogueira, cuja chama crepitava um brilho azulado e fantasmagórico. Sua aproximação emitia, ao contrário do fogo comum, um frio absurdamente intenso. Senti o corpo esmorecer. Tive ímpetos de recuar, mas as pernas não me obedeceram. O silêncio era tão absoluto que parecia que tudo havia simplesmente se aquietado, não se ouviam os grilos, os insetos, nem o barulho do vento. Lembrei-me dos relatos que ouvia de minha avó Maria, quando criança. Ela mencionava o “silêncio da noite” que, segundo ela, seria o momento em que as almas penadas deixavam as sepulturas e as coisas ruins de toda espécie vagavam sedentas por sangue. Mas o quadro assombroso tornaria-se ainda mais assustador.
Do solo, algo começou a aflorar. Primeiro uma mão esquelética, cujos dedos reviravam o chão arenoso, depois um crânio asqueroso. Percebi que novos montículos de terra se formavam ao redor, eram outras cabeças e mãos ossudas que se desprendiam freneticamente do solo. Um cheiro fétido, acompanhado de uma sinistra melodia, tomou de assalto o ar da noite. Parecia uma missa fúnebre entoada a quatro vozes e acompanhada por uma sinistra orquestra; percebi o som de flautas, clarinete e violinos.
Os quatro esqueletos se ergueram, sacudiram os ossos e, livres por completo da terra e do mato, começaram a bailar em torno da gélida fogueira. Era uma dança macabra e assustadora. As caveiras rodopiavam sobre os pescoços. As mandíbulas se abriam, emitindo grunhidos quase inaudíveis devido à gótica melodia que preenchia o ambiente.
Subitamente, a orquestra silenciou. Para meu horror, um dos esqueletos aproximou-se de mim. Senti um frio se apossar do meu corpo, oriundo da sinistra assombração, era como se estivesse à beira de um freezer. Meus joelhos tremiam. Ouvi a voz da criatura preencher meus ouvidos.
— Doces ou travessuras? Respondi com a cara de quem não havia entendido. A caveira prosseguiu, após uma gargalhada:
— Sabes que dia é hoje, impetuoso viajante?
Lembrei-me então, era noite de “Halloween”, ou simplesmente dia das bruxas! Mas nunca acreditei em nada disso, pelo contrário, sempre as considerei meras crendices. A criatura, diante do meu silêncio, prosseguiu:
— Acabaste de assistir ao nosso espetáculo, como pretendes pagar?
— Pense com cautela, incauto, pois de tua resposta depende a tua vida — murmurou outro esqueleto, a fitar-me com olhos de um brilho avermelhado.
— A prenda! — grunhiu um terceiro com voz feminina. — Deves pagar a prenda, ou levaremos tua alma!
Senti meu medo triplicar. O que eles queriam? Pensei em tia Selma me alertando para ficar em sua casa. Titia era católica fervorosa; eu, porém, nunca acreditei em religiões, bíblias ou coisas desse tipo.
A mão esquelética se aproximou mais, estendida, aguardando o pagamento. Minha cabeça girava, o frio era intenso, sentia os dentes baterem, tentei reagir, temia perder os sentidos. Não sei por que, mas a visão de meu corpo caído e uma horda de esqueletos se amontoando sobre mim, sufocando-me até que não conseguisse mais respirar, perpassava por minha mente.
Para meu alívio, senti os movimentos retornarem. Enfiei uma das mãos nos bolsos, procurava minha carteira, iria dar todo o meu dinheiro para a criatura. Ela não queria que eu pagasse pelo show que havia involuntariamente assistido? Abri a carteira, as mãos tremiam. Foi quando avistei o delicado pingente. Um relicário com o semblante de Nossa Senhora, que minha tia havia me presenteado. Ela certamente o colocara em minha carteira, pois não me lembrava de havê-lo feito.
Num impulso, depositei o objeto na mão óssea da criatura. Um grito estridente se ouviu, acompanhado pelo que pareceu uma pequena explosão. Uma fumaça escura tomou o local. Ainda consegui vislumbrar, em meio à fumaceira, a criatura rodopiando aos gritos. Avistei formas vaporosas se desprendendo dos esqueletos, eram escuras e pavorosas. Elas circulavam ao meu redor, as bocas abertas como se quisessem me morder. Ouvi gemidos, gritos, urros e gargalhadas. Perdi então os sentidos.
Acordei algum tempo depois. O relógio em meu pulso apontava três horas da madrugada. O frio intenso havia passado. Nem sinal da fogueira assombrosa e de seus horríveis ocupantes. Retornei apressado pelo caminho, apegando-me a Deus e a todos os santos que já ouvira falar. Tinha a sensação de que algo me seguia. Tremia frente ao simples balançar do mato ao meu lado, imaginando a possibilidade de mãos esqueléticas surgirem e me arrastarem para algum buraco escuro e tenebroso.
Após alguns minutos, avistei surpreso meu carro, o percurso desta feita me parecera breve. Abri a porta do veículo com sofreguidão, por duas vezes a chave caíra por entre os dedos que tremelicavam de frio e medo. Aninhei-me enfim nos estofados macios, cobrindo-me com uma manta de lã, aguardando ansioso o amanhecer. Com o claro do dia, procuraria ajuda. Nunca meu velho automóvel parecera tão confortável e seguro.
FIM

Sobre este Conto
Escrevi a Dança dos esqueletos em 2022 para ser publicada diretamente neste blog, mas como não havia tido tempo para uma revisão, pois estava finalizando meu livro Moara, a princesa dos Incas, agora em fase de pré-venda pela plataforma Uiclap em formato físico, (breve estarei divulgando, pois aguardo a chegada do meu exemplar piloto, haja ansiedade! rs. ) por isso não divulguei o conto pelas redes sociais.
Espero que gostem, ou melhor, que se divirtam com A dança dos Esqueletos nesta noite de carnaval.
Abraços fraternos e boa leitura.
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